terça-feira, 17 de julho de 2012

Amargurado

Um velho bêbado, de barbas brancas e chapéu cobrindo os olhos, roncava na calçada em frente à loja. Suas galochas pretas estavam furadas e tinha consigo uma garrafa vazia. Na cidade pequena todos sabiam quem ele era, mas nunca abria a boca para dizer nada a não ser: uma garrafa de vodca, por favor. Todas as noites repetia as mesmas palavras e a mesma rotina.

Certo dia, ao invés de dormir em frente à loja como sempre fazia, dormiu num banco em frente ao píer. O cheiro do mar lhe era agradável, nessa noite nem bebeu a garrafa toda. No primeiro raiar do sol os filhos dos pescadores já brincavam na orla. Acertaram-no em cheio com uma bola. O velho acordou grunhindo de raiva e cravou as unhas afiadas na bola, estourando-a. Todos os meninos correram assustados, menos Theo. Observou atentamente cada ato daquele senhor, e disse:

T - Desculpe senhor Marujo, foi sem querer.

O velho não esboçou reação alguma. Theo se aproximou.

T - Ouvi painho dizer que amargura mata. Era de ti que ele falava.

Theo saiu correndo. Uma lágrima escorreu dos olhos azuis pela pele envelhecida até chegar ao bigode branco. Senhor Marujo sussurrou:

M - Eu já morri.

Menino Theo cresceu e nunca se esqueceu daquele dia. Descobriu que o velho marujo engarrafou a alegria dentro do vidro porque a mulher o abadonou, só queria saber de viajar. Era vaidosa demais, muito egoísta, e apesar de dizer que o amava, amava mais a si mesma. Ela dizia que sentia saudade, que era ruim demais ficar longe dele, mas se divertia muito sozinha. Não foi capaz de provar o seu amor. Ele deixou de acreditar, porque ninguém tem como saber que é amado se não recebe prova disso. O filho cometeu suicídio. A mãe morreu num acidente. E o pai? Nunca conheceu. No entanto, não foi nada dessas descobertas que marcou aquele dia.

Naquele mesmo dia que perdeu a bola, quando voltava pra casa já a noite, encontraram o velho morto. Foi enterrado como indigente. Em casa, Theo encontrou um embrulho no formato de uma bola no pé da escada. O cartão no laço dizia:

Amargura não mata não. O que mata é falta de amor.

E na parede da sua casa picharam:

Nenhum homem vive sem amor.

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