sábado, 19 de maio de 2012

Sobre ser deficiente


Tenho uma coleção de audiometrias. Isso é parte de mim. Tem uma audiometria datada de 91, foi quando meus pais descobriram minha deficiência auditiva: aos dois aninhos.

Tenho poucas lembranças desse período, mas lembro que minha rotina de exames era exaustiva. Fui muitas vezes ao CEAL e a São Paulo, e o número de "audios" parecia interminável pra mim. Papai e mamãe sempre batalharam muito por mim, enfrentaram todos os meus problemas comigo: as inúmeras otites, o atraso da fala, várias cirurgias, sem falar nas idas a hospitais. Nunca saíram do meu lado. Para aprender a falar tive que enfrentar uma maratona de aulas. Natação, para aprender a adequar a respiração com a fala. Dança, para entrar em contato com o ritmo das palavras. Fonoaudióloga.... Longos e cansativos anos de fonoaudiologia para trabalhar a minha fala. A receita do sucesso do tratamento foi o trabalho insistente e a dedicação de todos que me amavam e que me ajudaram a vencer barreiras.

Olhando assim parece que minha infância foi conturbada. Eu tive alguns problemas sim. Quando entrei no maternal tinha vergonha de prender meu cabelo por causa do aparelho auditivo. E também não gostava quando as crianças me perguntavam o que era aquilo na minha orelha. Mas a verdade é que eu tive uma infância normal graças aos meus pais e familiares. Mamãe sempre teve uma paciência infinita com minhas fragilidades em relação à deficiência. E aos poucos fui aprendendo quem eu era, porque eu era, e como poderia ser.

Hoje em dia eu falo o tempo todo que não saberia viver sem ter a minha deficiência. Claro que ainda acho ruim algumas coisas. É chato não poder entender direito as pessoas na mesa do bar, ou sempre perder as piadinhas espontâneas. Não gosto de perder as falas do filme, da novela ou do jornal porque algum barulho me atrapalhou. Tenho dificuldades enormes de lidar com dois sons ao mesmo tempo, me atrapalha muito a entender o que alguém tá falando. Mas pra isso existem pessoas que me apoiam. Elas me explicam o que eu não entendi, a fala que eu não ouvi e as piadinhas que eu perdi. Ainda bem né. O Renato, meu irmão, ele repete um milhão de vezes a mesma coisa se precisar pra eu entender. Ele tem paciência, é bem bonitinho.

Ao mesmo tempo, aprendi a ver os proveitos também. Acho o mundo muito barulhento e posso escutá-lo da forma que quero: aumento ou diminuo o som do meu aparelho e até desligo às vezes. Isso pra mim é quase um superpoder (risos). Tiro o aparelho pra dormir e por isso durmo melhor que a maioria das pessoas. Não ouço muriçocas, som alto, aviões, nem ronco ou gente falando a noite... Não escuto nada, tem que ser muito alto pra me acordar. E como também não escuto despertador tenho o melhor despertador do mundo: minha família. Sempre quem me acorda é o papai, às vezes a mamãe, e muito de vez em quando o Renato. Eles me acordam fazendo carinho no meu pé, e vem com soneca (função que têm os despertadores)! Se percebem que não levantei, vão lá e me chamam de novo (hehehe).

Aprendi a ser e aceitar quem sou, com defeitos e qualidades. Falo tranquilamente sobre isso agora. Me considero vitoriosa e considero meus pais vitoriosos. O caminho não foi fácil, teve muita labuta. Hoje, colhemos os frutos. Sou muito agradecida porque papai e mamãe me deram tudo que eu precisava para levar uma vida mais perto do normal o possível e batalharam muito por isso. Deus foi muito bom comigo.

Pai, Mãe: amo vocês.
Rê, vc tb tá? (: